Caluquembe era uma vila tranquila, escondida entre as montanhas de Huíla. Mas, como em muitas terras silenciosas, a calmaria escondia segredos. As mulheres de Caluquembe eram conhecidas por sua sabedoria. Sabiam curar doenças com ervas, prever chuvas e até amansar os ventos. Contudo, os forasteiros, especialmente os homens, temiam as histórias. Diziam que elas eram feiticeiras, tão poderosas quanto as lendárias mulheres de Cabinda.
Essas histórias eram apenas sussurros… até que João chegou à vila.
O estranho
João era um homem jovem, aventureiro, vindo de Benguela. Ouvira falar das mulheres de Caluquembe enquanto trabalhava nos portos e decidiu conhecer o lugar. Fascinado pelas lendas, queria descobrir se eram reais. Quando chegou, foi recebido com olhares desconfiados, mas uma mulher em especial chamou sua atenção: Ana.
Ana era diferente. Tinha olhos que pareciam ler pensamentos e uma voz suave, mas firme, que fazia todos ao redor a escutarem com atenção. João, com seu jeito curioso e atrevido, aproximou-se dela.
— Então, é verdade? Vocês são mesmo bruxas? — ele perguntou com um sorriso, tentando descontrair.
Ana respondeu com um olhar enigmático.
— Cuidado com o que procura, forasteiro. Nem sempre as respostas são o que você espera.
O fascínio
Apesar do aviso, João não recuou. Ele começou a passar mais tempo com Ana, fascinado por sua inteligência e mistério. As noites em Caluquembe eram frias, mas João sentia um calor inexplicável quando estava perto dela. Aos poucos, Ana começou a revelar pedaços da verdade.
— Somos guardiãs de algo maior, João. Algo que homens como você não entenderiam.
João ria, achando que era apenas conversa para afastá-lo.
— Você acha que sou fraco? Mostre-me o que guardam. Quero conhecer.
Ana hesitou, mas, com o tempo, a insistência de João venceu sua resistência.
O ritual
Certa noite, sob a lua cheia, Ana levou João até um vale escondido fora da vila. Lá, outras mulheres aguardavam em silêncio. Todas usavam mantos negros e estavam ao redor de uma fogueira.
João sentiu um arrepio ao perceber que não era o único homem ali. Alguns estavam ajoelhados, com olhares vidrados, como se estivessem hipnotizados.
— Quem são eles? — João perguntou, alarmado.
— Homens que quiseram o mesmo que você, João. Queriam conhecer nosso segredo — Ana respondeu.
Antes que pudesse reagir, João foi levado para o centro do círculo. As mulheres começaram a entoar cânticos numa língua antiga, e o ar parecia vibrar com energia.
Ana aproximou-se dele, segurando seu rosto com delicadeza.
— Ainda quer saber o que somos, João? Está pronto para ver?
Ele, mesmo com o coração disparado, assentiu.
A revelação
De repente, a fogueira explodiu em chamas azuis, iluminando o vale. As mulheres, uma a uma, começaram a se transformar. Suas formas humanas deram lugar a figuras sobrenaturais: algumas tinham asas de pássaros, outras possuíam olhos brilhantes como tochas. Ana era a mais impressionante. Seus cabelos flutuavam como serpentes vivas, e sua voz soava como um trovão.
João percebeu que não estava diante de simples feiticeiras. Elas eram guardiãs de um poder ancestral, um elo entre o mundo dos vivos e dos espíritos.
— Vocês… são bruxas de verdade — ele murmurou, atônito.
— Somos mais do que isso, João. Somos a ponte entre os mundos. Mas você nos desafiou, e agora deve pagar o preço.
O destino de João
João tentou fugir, mas o círculo estava fechado. Ana olhou para ele com uma mistura de tristeza e determinação.
— Você poderia ter ido embora. Poderia ter vivido sua vida em paz. Mas a curiosidade dos homens sempre os leva à ruína.
Com um gesto, Ana o transformou em uma sombra, condenando-o a vagar pelas montanhas de Caluquembe, incapaz de tocar ou ser visto por alguém.
Epílogo
As mulheres de Caluquembe continuaram vivendo em sua vila, protegendo seus segredos. Os viajantes que ousavam se aproximar eram sempre avisados: “Respeite as mulheres de Caluquembe, ou acabará como João, o homem que virou vento.”
E assim, o nome de João tornou-se apenas mais uma história nas noites escuras da vila, um aviso para aqueles que subestimavam o poder das bruxas de Caluquembe.