Uma crônica sobre um bom político
Oliveira passeava mais uma vez pela praça suja do Albiero, onde olhava os pedintes com repulsa, pareciam para ele pouco esforçados. Odiava passar por aquele lugar que considerava imundo, mas fingia tão bem uma simpatia, que muitos dos que estavam ali até nutriam alguma consideração por ele.
O tempo passava tão lentamente que os olhos quase mornavam em um sono desagradável, não queria estar naquele lugar, mas os votos eram importantes, eram seu único interesse ali.
Fornecia uma leva de alimentos vencidos do Germonio Mercados que tinha comprado à preço de banana, pouco lhe importaria que aqueles “moribundos” tivessem uma intoxicação alimentar séria. Até pensava em quão limpas as ruas ficariam sem a existência deles.
Tinha certeza de que nenhuma daquelas criaturas asquerosas pernoitaria a calçada de seu condomínio ou lhe bateriam à porta do escritório, sem serem expulsas devidamente à tom de ameaça e pauladas.
Mas ali era homem bom, impregnado do mais popular discurso altruísta, e quem o via falar, pensaria que levaria todos os maltrapilhos para sua casa.
Trazia aos homens e às mulheres um borbulho de esperança, fantasioso na maioria das vezes. Dizia que um homem na mais dura penúria poderia encontrar a dignidade em seu governo, lia o roteiro de seu companheiro Osterno Matos, que já tinha decorado reelendo tantas vezes, nunca falhava, sempre trazia lágrimas esperançosas aos sem tetos.
Ali garantia ao menos vinte por cento de aprovação, o resto lhe seria ainda mais fácil, era só contar com a sujeira do cenário político que fazia parte: atacar o adversário, revelar a existência das amantes dele, os rombos nos cofres públicos e se viesse a calhar, diante da falta de algum desses elementos, inventar alguma coisa, atribuir-lhe a alcunha de metido, preconceituoso, sacripanta.
Se nenhuma dessas possibilidades colasse em seu benefício ou se surgisse um novo concorrente, não poderia esquecer que tinha contatos em posições importantes de poder e armar uma coincidência ou prisão não seria lá uma tarefa de tão grande dificuldade.
Inicialmente fazia o básico, propunha e prometia, passava a lista já saturada das benfeitorias feitas e contra qualquer argumento contrário que surgisse, colocava a culpa no congresso.
Tinha o rabo preso, mas tinha dinheiro e influência para tornar esse rabo o mais aceitável possível. As pessoas nem percebiam e já estavam defendendo-o de tudo o que seria inaceitável em outro governo.
Aos gastos excessivos, atribuíam a justificativa: “Meu governo há de ser bem vestido, bem alimentado e bem transportado, é um bom governo”
Aos deslizes no casamento, consertavam com passagens bíblicas.
À corrupção, julgavam a inexistência de provas e o provável desejo que os concorrentes tinham de prejudicá-lo.
Tudo o que falava precisava ser meticulosamente interpretado a fim de esquivá-lo da culpa pelo que havia dito.
E assim o Oliveira nutria seu maior aliado politico, que, independente de quaisquer ocasiões e circunstâncias, estaria firme com ele: o povo.
Diga-se o que há de ser dito, era um bom político.
Se era um bom homem… aí já é outra história que moralmente deveria se desenrolar em, no mínimo, cinquenta páginas de pecados e desvios de conduta.
Resumindo: “moral” é melhor deixar pra discutir em época de eleição, tempo em que todo bom político vira homem bom.